
Mostra NaPerifa
O Fim Desse Mundo chegou. E, diante da crise que o ano de 2020 nos apresenta, abre-se o abismo da incerteza e a vastidão de transformações dos modos de vida que conhecíamos. Os desafios de refletir o agora e o porvir – que nunca foram tarefa fácil – se apresentam com outra força e, diríamos, com outra importância. Criar em um momento como o nosso é se deixar atravessar pelo que não se podia prever e documentar um tempo inimaginável. É também reinventar formas para, diante de tantas adversidades, nos mantermos vivxs. Que narrativas são possíveis para dar conta do que vivemos? O que elas podem ativar? Que estratégias precisaremos inventar para produzir? Como narrar diante do luto e do caos? A essas perguntas, que não são novas no campo da arte, muito menos diante da história da humanidade, repleta de episódios trágicos, acrescentamos outra: “Que sujeitos poderão narrar o que estamos vivendo”?
É próprio do mundo que existia – e ainda existe – processos profundos de exclusão. A desigualdade que atinge diretamente as existências das populações periféricas e subalternizadas (em suas expressões estruturais marcadamente pelas diferenças de raça, gênero e classe) estão intrinsecamente conectadas com os mecanismos de representação. A possibilidade de falar, representar, criar – e ser devidamente remunerado por isso – também carrega os índices da sociedade patriarcal, racista e elitista e, diga-se, alimenta o processo de dominação – a que Chimamanda Adichie cunhou de “história única”.
As periferias, a quem historicamente foi negado o direito de dar a ver a sua perspectiva, nessa mostra – como deveria ser em todas – é voz ativa. Foi a partir desse lugar de potência contra-hegemônica e dissidente que foram produzidos os vídeos que apresentamos em NaPerifa. Um conjunto de 47 obras vindas de sujeitos periféricos espalhados por todo o Estado de Pernambuco.
NaPerifa é uma mostra diversa, que acomoda vídeos e ensaios fotográficos. A partir do mote “Narrativas Periféricas do Fim Desse Mundo” se propõe a ser um recorte panorâmico possível de produções pernambucanas independentes que oferecem chaves de leitura singulares do mundo e está dividida em seis categorias: Pernambuco, RMR, Coque e Coquevídeo, da primeira chamada e Olhares Dissidentes e Da Minha Quebrada, da segunda chamada. (Ver textos das categorias).
A pluralidade desta mostra está expressa de múltiplas maneiras: Territorialmente, vêm desde o Litoral aos Sertões, passando pelo Agreste e Zona da Mata, em periferias urbanas, rurais e comunidades indígenas de oito cidades diferentes. Dentro da Região Metropolitana, temos propostas de territórios que vão da Zona Norte à Zona Sul, passando pela Zona Oeste e Central da RMR. Do ponto de vista da forma, entre ensaios fotográficos e vídeos temos uma variedade de táticas discursivas: retratos, colagens, vídeos experimentais e documentais; denúncias, ficções, animações, relatos e diários compõem o nosso recorte.
A casa aparece, por razões óbvias, como cenário de muitas das obras aqui presentes, sob diferentes perspectivas e personagens – desde crianças a idosxs. Mas, no limite entre olhar para fora e para dentro, para as precariedades e potências que (n)os cercam, compõe-se um agrupamento de obras críticas do agora e apontamentos esperançosos do porvir.
*As obras aqui apresentadas foram selecionadas na fase de projeto em uma convocatória e foram apoiadas com bolsas para sua realização.
**Esse projeto é uma parceria com Instituto Moreira Salles através do programa IMS Convida, iniciada em maio deste ano.